O Instituto Aliança (IA) possui uma sólida expertise na área de empregabilidade de jovens capacitando-os para o mercado de trabalho. Porém, durante uma reunião de planejamento estratégico, a equipe se deparou com um dilema: a instituição sempre teve um modelo de receitas voltado exclusivamente para doações, mas muitos recursos eram oriundos de poucos parceiros – o que os deixava vulneráveis; ao mesmo tempo, existia o desejo latente de expandir seus programas e impacto social. Assim, como conciliar a sustentabilidade financeira da instituição com a expansão de suas operações?
No nosso último artigo da série “Negócios Sociais e Empregos Dignos”, junte-se a nós na jornada de construção do negócio social Instituto Aliança Empregos (IAÊ).
A faísca para o negócio social.
Em 2018, o Instituto Aliança soube que a NESsT planejava realizar uma nova seleção para negócios sociais de empregabilidade e se inscreveu para participar. Após diversas etapas, a equipe, liderada por Solange Leite, Coordenadora Nacional de Inserção, foi convidada a uma rodada de apresentações (pitchs) em São Paulo.
“Quando começaram as apresentações, vi que não tínhamos proposta. Estávamos encarando o edital como um projeto de doação, e não com uma rodada de negócios sociais”, comenta Solange Leite “Naquele momento, fiz o possível: apresentei a trajetória do IA e nossa visão sobre empregabilidade, mas não fomos selecionados. Contudo, a Renata, Diretora da NESsT Brasil, nos procurou e disse ‘nós gostamos muito de vocês, mas achamos que vocês ainda não sabem o que querem’. E era verdade. Queríamos escalar, mas não sabíamos como”, relembra Solange.
Embora a NESsT não invista em negócios que estejam numa etapa tão inicial, a organização viu naquele dia um grande potencial. Além do Instituto possuir décadas de história e uma atuação robusta, eles já tinham muita experiência e até mesmo uma área dedicada à empregabilidade. A solução encontrada foi conceder um apoio temporário financeiro e não-financeiro para que Solange e sua equipe tivessem mais clareza sobre o que, de fato, significaria ter um negócio social no Instituto Aliança.
Planejar é mais fácil com apoio
Um dos apoios foi a realização de uma pesquisa para uma melhor compreensão do mercado de recrutamento e seleção em si, as oportunidades ao alcance e os desafios a superar, a fim de desenvolver o melhor modelo de negócios para o novo braço comercial da ONG.
Foi constatado que o mercado possui dois tipos de serviços: por um lado, sistemas de recrutamento focados nas necessidades das empresas, e por outro, cursos profissionalizantes e serviços voltados exclusivamente para os beneficiários e suas trajetórias. O diferencial do IAÊ estaria em preencher esta lacuna, unindo os dois pontos.
“Neste campo das startups de tecnologia de recursos humanos, as ‘HR Techs’, vemos plataformas novas todos os dias, algumas com foco em nichos específicos, mas poucas têm experiência em empregar pessoas que estavam excluídas do mercado. Essas plataformas não conseguem eliminar os vieses do contratante e de seus próprios sistemas e com isso o jovem de baixa renda, público prioritário do IAÊ, continua na invisibilidade. O IAÊ tem esse grande diferencial: além de ser um banco de dados de jovens de alta performance já preparados para o mercado de trabalho, faz a conexão dos mesmos com as empresas contratantes”, explica Renata Truzzi, Diretora da NESsT Brasil.
Outro apoio valioso foi a mentoria recebida. A equipe não acreditava que o negócio social seria competitivo frente a outras ferramentas digitais de recrutamento e seleção já existentes e bem estabelecidas no mercado. Afinal, os outros players possuíam recursos humanos e financeiros abundantes para desenvolver os seus projetos.
O mentor Diogo Oishi, especialista em HR Tech e atual Diretor de RH da Swile Brasil, ajudou a equipe a pensar em formas de como o IAÊ poderia abandonar esse modelo tradicional de atuação para um outro mais inovador e virtual. Como solução para os recursos escassos, ele propôs buscar parcerias com outras companhias.
“Conectei eles com outras empresas, e sugeri que buscassem parcerias com plataformas de ATS, um sistema de recrutamento e seleção”, conta Diogo. “Assim, eles poderão adicionar soluções ao aplicativo, como testes de personalidade e ferramentas que auxiliem no match assertivo entre candidatos e empresas.”
“O Diogo nos mostrou que, apesar de termos menos recursos que a concorrência, possuímos dois ativos que outras organizações não têm: um banco de talentos de jovens qualificados pelo nosso curso de formação, e nossa imagem e causa social, algo com o que muitos clientes podem querer se associar”, explica Micaías Oliveira, gerente de tecnologia do IA.
O modelo de negócios do IAÊ
Após uma intensa fase de planejamento e compreensão de mercado, a equipe, com o apoio da NESsT, definiu o modelo de negócios do IAÊ, que se baseia no conceito de SaaS (“software as service”, ou em português “software como serviço”); assim como seu principal objetivo.
O IAÊ visa garantir com rapidez e assertividade a seleção de jovens com o perfil desejado pelo contratante, a partir de um banco de talentos próprio, apenas com participantes formados com ênfase em competências socioemocionais e digitais. Seus serviços incluem a formação do jovem, a captação de vagas e a gestão do recrutamento para os processos seletivos.
Tais atividades em si já são realizadas no Instituto, mas de forma manual. Com a criação do negócio social e o uso da ferramenta tecnológica, é possível ganhar escala, além de simplificar o processo para as empresas. Além disso, será possível trabalhar aspectos que hoje não são contemplados pela ONG, como a satisfação, a retenção e a ascensão dos jovens.
“Quando vimos as oportunidades que o IAÊ nos daria, entendemos que não se tratava apenas de uma nova forma de receita; com o negócio social, vamos também ampliar o escopo de nosso trabalho e acompanhar o jovem ao longo de sua carreira. Não podemos pensar que o jovem vai trabalhar apenas porque precisa da renda, só isso não basta. Ele também precisa de motivação, satisfação. Com a nova ferramenta, poderemos entendê-lo melhor, ver quais vivências e desafios podem dificultar sua adaptação, e apoiá-lo.”, diz Solange.
Os próximos passos
Como contamos nos artigos anteriores, com todo este preparo e jornada de aprendizados, o IAÊ entrou para o portfólio de negócios sociais da NESsT, recebendo investimento financeiro da própria NESsT e da Fundação Arymax e mentoria contínua para o desenvolvimento de suas atividades.
A ferramenta tecnológica foi desenvolvida, testada e oficialmente lançada em Dezembro de 2021, com alguns clientes já conduzindo processos de recrutamento. Além disso, até fevereiro de 2022, cerca de 1300 jovens já haviam se cadastrado no Banco de Talentos, tornando-se aptos a participarem dos processos seletivos.
Agora, a equipe tem um importante desafio de conquistar novos clientes e pôr em prática seu plano de marketing e estratégias de venda, tendo como base sobretudo São Paulo, Bahia e Pernambuco. Como parte do portfólio NESsT, o IAÊ continuará recebendo nosso apoio e monitoramento, trabalhando juntos para alcançar as metas de negócios e de impacto social, fazer pequenas adaptações ao longo do caminho, ou até mesmo utilizar os dados e evidências levantados para fomentar este ecossistema de empreendedorismo social.
Para Solange e Micaías a maior transformação nessa jornada foi na forma de pensar a atuação no setor social.
“A repercussão é para a organização como um todo. Ao buscar uma nova forma de receita, demos muitas guinadas, inclusive no modelo de gestão da organização. Agora, estamos sempre atentos a novas formas de geração de receita ligadas ao nosso negócio. Este é só o começo”, conta Solange.