Contribuíram: Margarida Gorecki Zanelato & Andrea Castro
O ecossistema filantrópico no Brasil ainda é muito voltado para um modelo exclusivo de doações, seja por suas raízes culturais e históricas, seja pela predominância de fundações ou organizações que praticam sobretudo o grantmaking. No entanto, é crescente o interesse de investidores por alternativas que utilizam diferentes mecanismos financeiros, com vistas a ampliar o alcance, escala e impacto social de seus investimentos. Essa nova geração de filantropos visa diversificar não apenas as formas de apoio financeiro, mas também os tipos de iniciativas contempladas, com os negócios sociais passando a surgir como opções.
Essa forma de atuação é conhecida como Venture Philanthropy, uma abordagem de alto engajamento e visão de longo prazo para gerar impacto social. Ela envolve três elementos: financiamento sob medida, apoio organizacional e, medição e gerenciamento de impacto. (Fonte: European Venture Philanthropy Association)
Assim, ao contrário de um modelo focado unicamente em doações, pode-se fazer uso de diferentes instrumentos financeiros, como instrumentos de dívida e equity, ou, ainda, instrumentos híbridos como mezaninos, empréstimos conversíveis e doações recuperáveis (recoverable grants). Os grandes diferenciais dessas modalidades em relação aos seus equivalentes no mercado financeiro tradicional são o foco no impacto social primeiro, uma maior tolerância a riscos, e um horizonte mais longo para receber os retornos financeiros (também conhecido por “capital paciente”).
Outro termo que vem ganhando espaço é o conceito de Blended Finance, que pode ser traduzido como finanças mistas, e combina recursos financeiros advindos de diferentes tipos de capitais — públicos, privados, filantrópicos — com o objetivo comum de aumentar o total de capital mobilizado e compartilhar os riscos de projetos mais inovadores.
O formato de investimento no IAÊ
Mas afinal, como uma organização pode escolher o melhor modelo para investir? O processo depende, em grande parte, das próprias características da organização financiadora, como sua estrutura legal, seu perfil de risco, e expectativas de retorno financeiro e geração de impacto. Mas a análise das características do negócio social em si é fundamental para tal definição. Para isso, é importante realizar um processo de seleção diligente.
Na NESsT, este processo é feito com base em uma coleta de informações, entrevistas, visitas ao negócio, conversas com a equipe e principais stakeholders. Ao término de uma primeira análise, a due dilligence é feita com os finalistas, até ficar claro qual a melhor combinação entre equipe fundadora, modelo de negócios, potencial de impacto e os recursos (financeiros ou não) disponíveis.
A intenção de todo o processo é não apenas compreender o potencial de impacto e sustentabilidade do negócio social, mas avaliar se a equipe poderá aproveitar o apoio técnico e a mentoria da NESsT por meio de uma relação de transparência e confiança.
“Temos que conhecer bem o empreendedor social, entender como eles respondem às perguntas, o quanto estão abertos para a formação e o compartilhamento de problemas. Queremos descobrir quem são as pessoas por trás dos negócios, se eles sabem o seu impacto e o que fazem pela comunidade”, diz Renata Truzzi, Country Director Brasil. “Dados financeiros e planos de negócios podem ser aprimorados ao longo do processo. Mas precisamos sentir que é um relacionamento que vai dar certo, além de ser um negócio promissor”.
No caso do IAÊ, o modelo escolhido foi uma combinação de modalidades de investimentos, em uma parceria entre a NESsT e a Fundação Arymax.
Quando a Fundação Arymax começou a desenhar sua estratégia de inclusão produtiva, surgiu a vontade de apoiar organizações que estivessem experimentando modelos de blended finance.
“Conhecíamos o trabalho da NESst e, em conversa com eles, identificamos que a proposta do IAÊ, além de estar alinhada com nossas premissas de atuação em inclusão produtiva, tinha a intenção e as condições para testar um modelo de negócio social, combinando empréstimo e doação, que, se bem -sucedido, poderia ser replicado por outras organizações que atuam na formação e inserção de jovens para o mercado de trabalho., diz Vivianne Naigeborin, Superintendente da Fundação Arymax
Assim, a maior parte do investimento financeiro no IAÊ foi uma doação para desenvolvimento da tecnologia e formação da equipe; o restante foi em forma de empréstimo recuperável, com uma longa carência, parcelas fixas e sem juros.
“Com termos mais amigáveis e flexíveis do que instrumentos financeiros tradicionais, essa modalidade ajuda a preparar o empreendedor social para futuros investimentos. Ele passa a olhar este compromisso de forma estratégica e a entender como isso influencia seu fluxo de caixa e negócio em geral.” explica Renata
E se, por um lado, um financiamento customizado é importante para a criação e desenvolvimento do negócio social, por outro, um apoio organizacional não financeiro é essencial para seu crescimento. No próximo artigo da série, iremos detalhar o processo de criação do IAÊ, das primeiras conversas até o lançamento da plataforma, e como a mentoria da NESsT têm ajudado ao longo deste caminho.
A série “Negócios Sociais e Empregos Dignos” conta o estudo de caso do Instituto Aliança Empregos (IAE), uma unidade de negócios criada dentro da ONG Instituto Aliança, com o apoio da NESsT e da Fundação Arymax. Ao longo dos próximos meses vamos compartilhar a trajetória do IAÊ com o objetivo de inspirar o fomento de soluções inovadoras de geração de emprego e renda dignos, beneficiando sobretudo os jovens em situação de vulnerabilidade.
Releia nosso primeiro artigo: Inclusão Produtiva.
Fontes: